quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Parte do Livro

Era uma noite chuvosa, no mês de novembro. Eu chegava a casa por volta da meia noite, quando saltei do ônibus e ali na beira da estrada arriou o maior temporal. O ônibus seguiu seu caminho, era o último daquela linha. O primeiro só começava a correr às quatro horas da manhã. Então aconteceu o pior que podia acontecer. Assim que dei os primeiros passos em direção a minha rua, que ainda não era calçada, caí feio e por pouco não bato com a cabeça no chão. Foi Deus que me salvou mais uma vez! Depois da queda fiquei deitado ali na chuva torrencial. Eu não podia fazer nada, simplesmente fiquei implorado a Deus que aparece uma pessoa para me tirar dali. Eu, sozinho, não conseguia me levantar. Eu estava na entrada da rua, bem no meio da estrada, sujeito a morrer atropelado, se surgisse algum carro ali, não daria para me ver. Gritei, mas ninguém escutou por causa dos trovões que eram bem fortes. Percebi o perigo que eu estava passando ali na beira da estrada. Comecei a me arrastar no meio da lama que descia do morro em frente à onde que eu morava. Então, meus amigos, passei por uns momentos que não desejo ao meu pior inimigo. Fui me arrastando até sair da estrada e entrar na minha rua, dali até a minha casa faltavam uns 100 metros, sem exagero. A chuva tinha cessado um pouco, mas ainda atrapalhava a minha caminhada de arrasto, eu parecia um bicho me arrastando dentro daquela noite quente e chuvosa. Eu rezando para que aparecesse alguém só para me ajudar a levantar. De repente vi um vulto vindo na minha direção. Eu gritei: “Por favor, me ajude, pelo amor de Deus!” Entretanto, o vulto sumiu na escuridão assim como apareceu. Desconfio que era algum morador que não me viu, muito menos ouviu meus apelos ou pensou que era algum caído qualquer. Se foi isso, até hoje, não sei se ele foi desumano e sem coração, ninguém tem o direito de julgar ninguém. Na minha opinião, ele agiu muito mal, mas o fato é que ele era a minha chance de me levantar, e como não foi possível, continuei me arrastando pela rua. Faltavam uns 50 metros para chegar na minha casa quando, de repente, me apareceram dois cachorros bravos, não sei e onde e começaram a me atacar. Os cães queriam me morder, a minha sorte é que eu ainda estava com a bengala na mão esquerda porque a direita não tinha força. Caído no chão me defendi chegando a atingir um deles com minha bengala no lombo tão forte que ele saiu gemendo. O outro foi embora assustado. Foram mais ou menos cinco minutos de terror que jamais vou esquecer. Após a luta contra os cachorros, eu quase não tinha forças para continuar. Descansei um pouco e comecei a me arrastar novamente. Só faltavam uns 20 metros, mas eu continuava a rezar para que aparecesse alguém. Porém, Deus não quis que aparecesse, porque ele achou que eu tivesse que passar por aquilo para dar mais valor à vida. Se alguém, algum dia, contasse essa história dificilmente acreditariam, mas aconteceu comigo. Às vezes, penso que foi um pesadelo, aquilo não poderia estar acontecendo comigo, não era possível que fosse verdade. Nestes pensamentos tão tortuosos não percebi que tinha chegado ao portão e olhei para minha roupa, a calça estava toda rasgada por causa do aparelho na perna e a lama cobria todo o meu corpo. Gritei e chamei minha esposa com todas as forças que me restavam, sorte minha que a janela do nosso quarto estava aberta. Ela abriu a porta da frente e veio correndo ao meu encontro me ajudando a levantar. Quando fiquei em pé ela me abraçou e disse: “Não perca a coragem, neguinho, estou aqui ao seu lado nunca vou abandoná-lo. Como aconteceu isso?” Sinceramente antes de eu contar detalhes da queda, abracei-a e juro pedi a Deus naquela hora que acabasse com o meu sofrimento. Sem vergonha lhes digo, caí novamente num profundo e longo choro. Parecia na minha cabeça que eu tinha que pagar por todo pecado do homem no mundo. Eu como sempre com estes pensamentos resmungos, aí a neguinha ouviu e me acariciou pedindo a Deus que me perdoasse. Ela disse: “Jesus está nos botando à prova e nós não podemos desapontá-lo, temos que ser forte e acreditar nele.” Depois dessas palavras, me acalmei e ela foi me ajudar a tomar banho, pois a minha roupa era lama pura e quase toda rasgada. Ela terminou de me ajudar no banho já eram quatro horas da manhã, vocês imaginam quanto tempo eu levei me arrastando: umas duas horas debaixo de chuva. Depois do banho, ela fez um cafezinho bem quente e eu consegui dormir, só acordando por volta das dez horas da manhã com o barulho das crianças brincando no quintal. Aquilo era também meu consolo, eles faziam muitas artes, brincadeira de criança; e como eu gostava de vê-los brincando, correndo pelo quintal a fora.

Eu venci a cadeira de rodas saiu na imprensa



domingo, 18 de julho de 2010

As memórias de um guerreiro

A década de 60 foi marcada por um caos político, os militares deram o Golpe e assumiram o poder e a ditadura se instalou no Brasil. No meio desse caos político, Edson Miranda, um típico pai de família, trabalhava no Ministério da Educação, um lugar considerado como foco de subversão. Edson viu de perto perseguições, colegas desaparecerem e cenas de constrangimentos. O estresse atingiu o seu corpo e aos 33 anos, apesar de novo, sofre de uma trombose cruzada que deixa metade de seu corpo imóvel. Edson dá início a uma grande luta para voltar a andar. Nessa batalha contou com a ajuda de um grande amor, sua esposa Conceição, que lhe deu a mão durante toda a sua luta e até as pernas quando o marido não pode andar. Filho do grande bandolinista Luperce Miranda, Edson herdou uma profunda sensibilidade e decidiu compartilhar sua experiência escrevendo um livro para contar como venceu seus limites e foi capaz de fazer milagres. Uma narrativa comovente e dramática de um homem que foi guerreiro de verdade.

A vida é dura para quem é mole

Edison Miranda nasceu em 1933, em um subúrbio do Rio de Janeiro. Filho do bandolinista Luperce Miranda e da dona de casa Floripe Araújo, era extremamente comunicativo. Quando menino vivia cercado pelo alegre ambiente musical. Estimulado por seu pai começou a tocar violão, instrumento este que o acompanhou durante toda a sua vida. Ainda jovem se apaixonou por Conceição, com quem se casou e chegou a comemorar as bodas de prata. Teve dez filhos e se dividia nos trabalhos de músico, motorista e comerciante para sustentar a casa. Aos 33 anos sofre uma trombose cruzada e tem a metade do corpo imobilizada. Edison lutou para voltar a andar e continuar a criar seus filhos. Com muita dedicação conseguiu vencer os desafios que a vida lhe ofereceu. Afinal, como ele mesmo dizia, “a vida é dura para quem é mole.”

A capa do livro Eu venci a cadeira de rodas: as memórias de um guerreiro